Ao permitir a renúncia recíproca dos cônjuges à condição de herdeiros legitimários um do outro, a Lei n.º 48/2018, de 14 de agosto, foi pouco ou nada esclarecedora de consequências muito importantes do seu regime e que provocarão, a médio prazo, problemas interpretativos que dividirão os herdeiros.
Caso o cônjuge decesso faça doações ou deixas testamentárias ao outro, será que as mesmas poderão ser tão amplas que se imputem numa – inexistente! – legítima fictícia do sobrevivo, que não é herdeiro legitimário?
Terá sentido onerar assim qualquer legitimário, vendo ele a sua quota legitimária comprimida e acrescendo a tal compressão o ónus de a casa de morada de família poder ficar indisponível anos a fio, sem receber qualquer contrapartida financeira por isso?
A renúncia dos cônjuges, intransigentemente impositiva que foi quanto ao regime de separação de bens, poderá prejudicar os sucessíveis legitimários e colocá-los mesmo em desvantagem face ao que aconteceria se não tivesse havido nenhuma renúncia?
Poderá ser tentador aumentar a autonomia da vontade, mesmo em matéria sucessória. Mas isso só é legítimo se não sacrificar a coerência jurídica, a justiça do sistema. A interpretação da Lei n.º 48/2018, de 14 de agosto, não pode furtar-se à verdade do Livro das Sucessões.
Autores: Margarida Silva Pereira
Ano: 2025
ISBN: 9789899252479