A responsabilidade civil é um instituto em permanente evolução. Depois dos desafios trazidos pelo aumento dos perigos, pelo crescente anonimato nas relações sociais e pela extensão das cadeias produtivas, são colocados à dogmática da responsabilidade desafios decorrentes de uma mesma situação de responsabilidade ter origem na atuação de um conjunto (determinado ou indeterminado) de sujeitos e de afetar, de forma homogénea ou heterogénea, um conjunto determinado ou indeterminado de lesados. Tenha-se em mente, designadamente, os temas da incerteza sobre a identidade do causador, sobre o processo causal e sobre a identidade da vítima. A esta acresce a incerteza quanto ao montante do dano.
Nas relações massificadas surgem também problemas ligados à coordenação entre o instituto da responsabilidade civil e centrado na imputação de danos — que historicamente foi ganhando independência da responsabilidade penal — e o direito sancionatório das autoridades reguladoras, de feição puramente preventiva/dissuasora.
Estas linhas de evolução justificam assim um renovado olhar para problemas clássicos da responsabilidade civil — como (1) a função da responsabilidade civil, (2) a causalidade, (3) a pluralidade de agentes e/ou de lesados, (4) o contributo do(s) lesado(s) para o dano, (5) o conceito do dano e a determinação ou cômputo, (6) a intervenção de uma ideia proporcionalidade no cálculo da indemnização devida, (7) o destino da obrigação de indemnizar coletivamente fixada, (8) a dispersão temporal dos efeitos danosos e o seu reflexo no regime da prescrição da obrigação de indemnizar, (9) a tutela negatória nas relações massificadas (tutela inibitória e eliminatória) —, a partir dos problemas colocados no contexto particularmente complexo das relações massificadas. A esta luz, a responsabilidade ambiental, a responsabilidade nas relações de consumo, e a responsabilidade por violação de normas regulatórias (da concorrência, da atividade bancária, etc.) constituem campos de análise particularmente indicados, embora não exclusivos.
O projeto visa confrontar dez grupos distintos de problemas da responsabilidade civil em relações massificadas, sempre na tripla dimensão da (1) análise do direito português atual (e, quando se justifique, do direito comparado), (2) da jurisprudência e (3) das eventuais perspetivas de reforma legislativa:
- O reflexo das situações de lesão massificada no reconhecimento de novos papeis/funções da responsabilidade civil;
- A incerteza quanto ao causador do dano (em particular, quando há um conjunto circunscrito de potenciais responsáveis: os casos de denominada causalidade alternativa incerta);
- A incerteza quanto à identidade da vítima;
- A incerteza sobre o processo causal;
- A incerteza quanto à extensão do dano (particularmente premente na responsabilidade por infração ao direito da concorrência);
- A consideração do contributo dos lesados para os danos no cálculo da indemnização;
- O relevo do princípio da proporcionalidade na fixação da indemnização;
- O destino da obrigação de indemnizar coletivamente fixada;
- A dispersão temporal dos efeitos danosos e o seu reflexo no regime da prescrição da obrigação de indemnizar;
- A tutela negatória nas relações massificadas (tutela inibitória e eliminatória).
No decurso da investigação, poderão ser elaboradas outras perguntas ou, naturalmente, podem ser especificadas as aqui já identificadas.
As questões suscitadas têm especial relevância e atualidade. Integram o núcleo fundamental da linha de investigação em que o projeto se insere e exigem a articulação com as outras linhas de investigação do CIDP, em especial com a linha «Novas perspetivas da Regulação, Compliance e Private Enforcement».
O presente projeto apresenta uma ligação temática estreita com o projeto «Sociedade de Risco e Sociedade de Massas: os novos tipos de danos e as novas morfologias da tutela (tutela coletiva, tutela estruturante e fundos de compensação de danos ambientais)». Por essa razão, deverá ser mantida, durante a execução de ambos os projetos, uma ligação estreita entre os dois grupos de trabalho, a qual será assegurada designadamente pela existência de quatro investigadores comuns.
A natureza interdisciplinar do tema dos delitos de massas obriga a discriminar com rigor a linha que o separa do projeto «Sociedade de Risco e Sociedade de Massas». O presente projeto (Responsabilidade Civil em Relações Massificadas) lida exclusivamente com o tema (a montante) dos problemas gerados pelas relações massificadas na responsabilidade civil. O projeto «Sociedade de Risco e Sociedade de Massas» visa somente as matérias processuais (a jusante).
Consequentemente, o trabalho conjunto dos dois grupos tem como propósito enquadrar a colaboração que se mostra indispensável mercê, designadamente, do sabido relevo das soluções de direito substantivo na delimitação dos problemas no plano processual e na resposta aos mesmos.
A cooperação das duas equipas de investigadores assegura ainda, do mesmo passo, a separação estrita do trabalho de investigação temática, seja impedindo redundâncias geradoras de ineficiências e de incertezas, seja obviando a lacunas que de outra forma surgiriam.