A figura do terceiro introduz grande complexidade na relação jurídica obrigacional. Esta, na sua forma mais condensada, contrapõe apenas duas pessoas (geralmente o credor e o devedor) e com tanto se basta.
A delimitação da esfera de imputação de cada sujeito revela-se essencial, logo a partir desta matriz simples. A vinculação obrigacional baseada num “modelo de divisão de trabalho” (e, dentro deste, de vários paradigmas relacionais) obriga a uma reflexão diferente da que tem sido realizada.
Além disso, dentro de uma esfera ampla de sujeitos relevantes, adensa-se na delimitação de diferentes níveis de participação (e de responsabilidade) na relação obrigacional.
Finalmente, a figura do terceiro, elemento externo a esta relação fundamental, implica uma necessária adaptação do sistema, para a qual a dogmática jurídica tenta acomodar, a par e passo, com soluções baseadas num conjunto de vetores fundamentais. O papel da autonomia privada, da boa-fé, da confiança e da segurança jurídica são critérios, justificando uma consideração fundamental de interesses extra rem ao escopo primário obrigacional. O desvendar dessa dogmática, depurando um qualquer enquadramento próprio, quer pela análise fenomenológica que se lhe encontra associada quer pelo aprofundamento de institutos-base, corresponde precisamente ao método que se aventa como adequado para explorar um tema geralmente lateralizado pela investigação científica (nacional e internacional).
É fundamental uma análise comparatística das soluções de outros países, nossos congéneres, tanto daqueles pertencentes à Família Romano-Germânica, como daqueles de Common Law.
Existem uma bifurcação essencial do tema, consoante se posicione a intervenção do terceiro no vínculo obrigacional, se positiva, se negativa, nomeadamente:
1. Delimitação de esferas de imputação
O recurso a formas de cumprimento baseadas em divisão segmentada e complexa do trabalho implicam uma nova reflexão sobre critérios de imputação, de atos e de estados subjetivos relevantes no direito das perturbações do cumprimento.
2. A tutela de terceiros e a consideração devida
A função cautelar, de tutela de terceiro, é sustentáculo de um conjunto vasto de soluções. Desde logo, na teoria do negócio jurídico, implica investigar o prisma da eficácia estrutural (tal como sucede no contrato a favor de terceiro e sua dialética), com figuras vanguardistas a chamarem à colação uma musculada intervenção doutrinária e judicial (tal como sucede com o contrato de eficácia de proteção a favor de terceiro). De um prisma dinâmico, ou seja, já no plano da execução do programa obrigacional surgem questões concretas, as quais testam os limites da suficiência do sistema (p. ex, as regras de aparência na representação ou a responsabilidade do terceiro pela falta de cumprimento), desta vez do prisma da eficácia externa. Por outro lado, os limites da transmissão do crédito (mediante figuras menos conhecidas, tal como a acessão no crédito) ou da pessoalidade dos institutos associados também ao crédito, como situação jurídica nuclear apresentam contornos poucos claros.
Como centro de danos (danos reflexos ou ricochete) é particularmente tenebroso o ajustamento dos quadros, nomeadamente incluir na esfera indemnizatória os interesses que não pertencem à esfera daquela que sofreu o ilícito (o mesmo sucede por danos fracionados ou coletivos). A mesma questão se coloca no âmbito das relações fiduciárias.
A investigação de todas as questões que esta temática concita envolve a avaliação comparatística daqueles que foram empregues por outros ordenamentos, nossos congéneres.
3. A responsabilidade de terceiro e pelo terceiro
Numa dada situação de responsabilidade o terceiro pode também ser responsável perante o lesado. O terceiro surge, neste âmbito, a par, ao lado, conjuntamente com o lesante. Imediatamente surge a necessidade de graduar a responsabilidade destes vários lesantes, num sentido lato. O fenómeno da comparticipação impõe-se, desenhando-se, ao lado deste, outros, como a instigação. Ora, o tratamento adequado desta realidade, própria do espaço penal, não pode importar acriticamente as soluções, nem a terminologia destoutro ramo de Direito. A autonomia dogmática da responsabilidade civil impõe outra metodologia. Em especial, a ausência clara da regulação fundamental da responsabilidade de diversos agentes (note-se) por formas distintas de responsabilidade coloca graves problemas a um sistema que enquadra a responsabilidade problema no mesmo título de responsabilidade (co-autores no delito ou condevedores incumpridores). A consideração, numa proposta alemã que reúne crescente tração, de uma tal, chamemos-lhe assim, solidariedade imperfeita, convida à exploração do tema, nos mais variados campos e domínios (relações societárias, Direito dos seguros, Direito da Família, etc.). Esta situação, aliás, sucede amiúde perante a responsabilidade das pessoas coletivas, materialmente incapazes de atuar no mundo natural, sem ser por intermédio de sujeitos (terceiros, numa certa perspetiva analítica).
Também a responsabilidade pela atuação de terceiros (o tal agente vicário; seja este auxiliar ou representante do obrigado) tem concitado uma acesa discussão quanto aos limites da responsabilidade independente de culpa. As mais recentes propostas de criação de focos novos de responsabilidade, tal como a culpa pela organização das pessoas coletivas, emergem no prisma da tutela de terceiros a uma relação estrutural.