O Direito da Família congrega o centro social e jurídico basilar da sociedade. É a partir da célula familiar que se desenvolvem os modelos sociais, replicados nas mais diversas áreas, bem como as estruturas afetivas conformadoras do desenvolvimento do ser humano. Esta a dimensão relacional da família está em permanente diálogo com os princípios e os valores fundamentais da Ordem Jurídica, desde o princípio da dignidade da pessoa humana ao direito ao desenvolvimento da personalidade.
O caráter central da relação familiar não a torna, contudo, numa relação petrificada, imune a alterações ou a interseções com outros domínios da vivência. Ao invés, o campo jusfamiliar tem sido um domínio de grande efervescência, particularmente nas últimas décadas, em que se tem assistido a profundas mudanças nos modelos de convivência social e afetivos, com repercussões evidentes no seio relacional, no papel da mulher, no exercício das responsabilidades parentais e na própria noção de família.
Adicionalmente, contamos hoje com o advento da era digital e o acelerado desenvolvimento tecnológico, aspetos que nos impelem a novos horizontes de reflexão, em particular nos domínios do Direito da família e da bioética.
A este respeito, destacam-se os avanços da genética, que têm permitido o desenvolvimento de técnicas de procriação medicamente assistida (como a inseminação artificial, a fertilização in vitro ou a transferência de embriões criopreservados), bem como a consolidação social e jurídica de realidades como a gestação de substituição ou as famílias monoparentais, tudo elementos com um evidente impacto transformador no paradigma familiar até agora dominante, suscitando problemas que ao Direito caberá oferecer solução, sem perder de vista a parametrização jusfundamental imposta pela Constituição.
Como não podia deixar de ser, a rápida evolução científica e tecnológica nem sempre tem sido acompanhada pela correspondente adaptação legislativa, intervenção que não pode ser levada a cabo desligada de considerações éticas, morais, biológicas, sociológicas e políticas. O campo de interseção que se convoca assume, nesta relação, intricados espartilhos, com reflexos pessoais e patrimoniais, que importam determinar.
É neste específico e complexo domínio que reside o objetivo do Projeto de Investigação que se apresenta. A partir de uma análise integrada e atenta a considerações de natureza extrajurídicas, pretende-se examinar e discutir, entre outros temas, a evolução do conceito de família suscitada pelo avanço das técnicas de PMA, a relevância do princípio da igualdade e proibição da discriminação no acesso à PMA e a multiparentalidade.
O alcance do princípio da igualdade figura, neste âmbito, como questão prévia, convidando-nos a repensar um conjunto de questões no domínio da filiação. Com efeito, em atenção à complexidade dos vínculos familiares e à pluralidade de vetores sobre os quais se estruturam, impõe-se a discussão dos quadros legais da gestação de substituição e da maternidade jurídica (incidindo, designadamente, sobre o direito de a gestante manter uma ligação afetiva com a criança) assim como a reflexão sobre a ampliação dos modelos familiares e o grau do reconhecimento dos vínculos afetivos, em particular quando em concorrência com vínculos biológicos.
As tendências globalizantes da última centúria vieram adensar o problema, reforçando a necessidade de articulação de ordenamentos com diferentes regimes e sensibilidades, tanto quanto à utilização e acesso às técnicas de PMA, como com o reconhecimento dos efeitos jurídicos deste tipo de intervenções no estrangeiro, designadamente nos domínios do reconhecimento da paternidade e maternidade e do exercício das responsabilidades parentais.
Adicionalmente, associadas a este problema, surgem questões relacionadas com a posição da mulher gestante [no caso específico da gestação de substituição], muitas vezes numa situação de enorme fragilidade e dependência económica, que vê na gestação de substituição a única ou principal fonte de sustento.
Cientes do enquadramento problemático descrito, com o Projeto que se apresenta, assume-se o objetivo de elevar o debate ao contacto possível com outras Ordens Jurídicas, num esforço que se quer materializar na definição de soluções e vias interpretativas que permitam responder à globalização e à indefinição das fronteiras territoriais, que, na linha do enunciado, não poucas vezes, representam uma afetação séria dos valores inerentes à temática, em prejuízo da proteção do superior interesse da criança e do princípio da igualdade no Direito da Família.
A atividade de investigação seguirá uma metodologia pluridisciplinar: seja pelo reconhecido institucionalismo que predomina neste domínio, pela necessidade de confronto com os princípios constitucionais que regem o Direito da Família e da Filiação (como o direito de constituir família ou a proteção da paternidade e da maternidade) ou, ainda, pela permeabilidade da Filiação à intervenção de outras ciências humanas (como a psicologia, a sociologia ou a biologia). Por este motivo, tanto as colaborações institucionais, como as iniciativas propostas neste Projeto procuram refletir a necessidade de uma investigação em sinergia com outras áreas que, pela sua importância, não podem escapar à análise jurídica.
Numa fase inicial, a condução do processo de investigação contará com debate e diálogo interno, entre Investigadores Principais e demais Investigadores, em sessões coletivas. Nesta linha, planeiam-se estadias de investigação e contacto com Investigadores Estrangeiros, com especial relevo para os Ordenamentos Jurídicos Alemão, Indiano, Cabo-verdiano e Espanhol.
A investigação e o debate permitirão a preparação posterior de um ciclo de conferências internacionais, abertas a toda a comunidade académica, com vista à difusão dos resultados obtidos.
Nesta senda, procurar-se-á divulgar os resultados da investigação serão, ainda, divulgados, em língua portuguesa e inglesa, em publicações em regime de open access, a cargo dos Investigadores integrados no projeto e de Professores estrangeiros convidados para o efeito.