Investigação

DEBT LAB: Incumprimento de Crédito Bancário, Pré-Insolvência, Reestruturação de Dívida e Non-Performing Loans

2026 – 2029 (Novas perspetivas da Corporate Governance)
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O financiamento da economia portuguesa encontra-se fortemente ancorado no crédito bancário, tanto no que respeita a particulares como a empresas. Seja para satisfazer necessidades de consumo, para expandir a atividade empresarial ou, em geral, para obter recursos financeiros, a contração de empréstimos junto de instituições de crédito tem-se revelado a opção tradicional e preferencial da generalidade das pessoas.

 

Este forte grau de dependência do crédito bancário é uma marca incontestável do nosso cenário económico. Para pessoas singulares, os empréstimos bancários desempenham um papel fundamental no acesso à habitação, à educação e a um conjunto alargado de outros bens e serviços de consumo – incluindo a possibilidade de fazer face a despesas inesperadas. As oportunidades resultantes da obtenção de crédito bancário, a par da democratização do acesso ao mesmo, tem moldado o comportamento dos consumidores bancários nas últimas décadas, fomentando a despesa e o investimento em diferentes setores da economia, e propiciando a criação de padrões de consumo muito específicos com referência a cada um desses setores.

 

O mesmo se aplica às empresas: quer se trate de pequenas empresas familiares ou de grandes empresas, os empréstimos bancários são vistos como a forma de financiamento por excelência – essenciais, portanto, para o crescimento, revitalização e sustentabilidade dessas empresas.

 

Apesar dos esforços envidados, nos últimos anos, para diversificar as fontes de financiamento da economia portuguesa, nomeadamente através da promoção de um mercado de capitais mais global, mais robusto e mais atrativo para novos e velhos players do mercado, o crédito bancário mantém-se como a escolha primária e preferencial para capitalização e financiamento de empresas em Portugal. Em particular, o estudo da OCDE “Avaliação da OCDE do Mercado de Capitais de Portugal: Mobilizar o mercado de capitais português para o investimento e o crescimento”, de 2020, concluiu ser imperativo garantir às empresas portuguesas o acesso a um mercado de capitais que possa financiar investimentos de longo prazo, apoiar a inovação e facilitar o empreendedorismo. Na senda desta avaliação da OCDE, foram lançadas inúmeras iniciativas para simplificar regulamentações, agilizar a entrada das empresas no mercado de capitais e reduzir custos associados à obtenção de fontes alternativas de financiamento; todavia, a preferência cultural e histórica em relação ao crédito bancário concedido em sistema de “narrow banking” tem sido um padrão difícil de quebrar.

 

As pequenas e médias empresas (PMEs) constituem a espinha dorsal do tecido empresarial nacional, representando uma esmagadora maioria das empresas portuguesas (mais de 99 %). O incumprimento bancário e o risco de ficar em situação pré-insolvencial são problemas significativos das PMEs portuguesas, uma vez que a própria natureza da atividade empresarial (problemas de tesouraria, práticas concorrenciais agressivas, aumento de custos operacionais, a fraca literacia dos seus gestores, entre outros), assim como a permeabilidade e vulnerabilidade das empresas à instabilidade dos ciclos económicos, fazem perigar e dificultam o cumprimento em tempo, por estas, dos seus compromissos financeiros. Em 2022, de acordo com dados oficiais, cerca de 14,6 % das empresas nacionais enfrentaram dificuldades na gestão da sua dívida relacionada com empréstimos bancários.

 

Em contraste, e também de acordo com dados oficiais, o incumprimento bancário dos particulares atingiu um mínimo histórico de apenas 7 % em 2022 (desde 2009). Não obstante, o incumprimento de contratos de crédito por mutuários consumidores continua a ser uma questão preocupante, exigindo uma vigilância contínua destas estatísticas e de medidas regulatórias que previnam e mitiguem riscos de incumprimento. Isto porque, por um lado, uma parte significativa do stock dos empréstimos bancários a particulares corresponde a créditos à habitação com hipoteca, e, por outro lado, as taxas de juro continuam a subir, sem estabilização prevista a curto ou médio prazo. Garantir que os mutuários estejam adequadamente informados sobre a trajetória das taxas de juro e sobre possíveis alterações nas taxas, bem como fornecer opções para mecanismos contratuais de fixação das taxas de juro contribuirá para mitigar estas preocupações.

Este ecossistema, propício à verificação futura de dificuldades financeiras e de subsequentes incumprimentos, encontra espelho no peso que os “créditos não-produtivos” (non-performing loans - NPL) assumem em Portugal, em relação ao total de empréstimos concedidos por instituições de crédito nacionais, atingindo a ordem dos 33 mil milhões de euros em dezembro de 2019, peso esse que, de resto, não é estranho à média europeia, onde a sua venda em “carteira” continua a desempenhar um papel relevante na redução do nível de endividamento dos bancos, com a consequente expansão da dimensão e complexidade (quer da sua arquitetura financeira, quer em termos jurídicos) destas operações.

 

Compreender e abordar as principais dimensões jurídicas do ciclo de vida da dívida demonstra-se, assim, fundamental para os credores, devedores e terceiros envolvidos.

 

Situado dentro das coordenadas dogmáticas do Direito Privado, o presente projeto de investigação centra-se, de forma inédita, na dívida como a “outra face” do crédito, ao longo do seu ciclo de vida, autonomizando alguma das suas fases críticas: o incumprimento bancário, a reestruturação de dívida, a gestão pré-insolvencial da dívida, e os non-performing loans. O projeto propõe-se a realizar uma análise integrada e minuciosa – telescópica e microscópica – típica de um trabalho laboratorial (assim se explicando a designação do projeto, Debt Lab), sobre a dinâmica jurídico-contratual multifacetada e multimodal que envolve a dívida bancária.

 

Enraizado no Direito Bancário, o DEBT LAB pressupõe uma abordagem estrutural e transversal para dar resposta às várias questões e desafios da investigação. A formulação dessas respostas exige um diálogo aceso com temas fundamentais do Direito Civil, do Direito das Obrigações, do Direito das Sociedades Comerciais e do Direito da Insolvência, percorrendo, cruzando e pondo à prova temas e problemas próprios destes domínios jurídicos.

 

Este projeto de investigação encontra as suas origens num quadro muito singular: recuando quase uma década, no rescaldo da crise financeira mundial de 2008-2009, o CIDP deu o primeiro passo para abordar o tema da dívida bancária e o seu ciclo de vida ao encetar diálogos entre académicos e juristas especialistas em direito bancário, no âmbito do Curso de Pós-Graduação em Direito Bancário. O curso tem sido realizado desde então e encontra-se atualmente na sua IX edição.

 

Ao longo destas nove edições, a investigação sobre o endividamento bancário aprofundou-se e estendeu-se, espelhando a dinâmica do contexto sociojurídico que a envolve. Esta dinâmica tem sido enriquecida com acontecimentos marcantes da atualidade – a pandemia, o início de uma guerra e um cenário de inflação galopante, aos quais se seguiu uma subida desenfreada das taxas de juro.

 

Justifica-se, assim, aproveitar o conhecimento produzido através do CIDP até hoje em matéria de dívida bancária e abrir espaço para novas reflexões em torno desta temática.

 

Para o efeito, o DEBT LAB decompõe-se em vários passos e tarefas, a saber:

(i) Mapeamento do ciclo de vida da dívida bancária;

(ii) Análise dos enquadramentos legais e das disposições contratuais típicas que regulam a dívida bancária em cada fase – com especial foco no espaço jurídico português e europeu, mas em diálogo vivo com as soluções de outros ordenamentos jurídicos;

(iii) Comparação de práticas internacionais e estudos de casos para identificar boas práticas, lacunas e oportunidades para melhorar o quadro jurídico português;

(iv) Avaliação das implicações socioeconómicas e financeiras da dívida bancária e das suas várias fases para os mutuários, os mutuantes e o ecossistema financeiro em geral, especialmente no que diz respeito aos mutuários que sejam pessoas singulares;

(v) Identificação de estratégias e propor soluções legais e regulamentares para atenuar os riscos associados ao endividamento e incumprimento bancários, com especial incidência na prevenção de litígios e na promoção de soluções extrajudiciais para a gestão e pagamento da dívida.

Mais especificamente, o DEBT LAB procurará ponderar e explorar:

(i) A autonomia privada e o incumprimento bancário: uma dimensão crucial da investigação implica uma análise aprofundada do espaço de liberdade das partes (mutuante e mutuário) na conformação e gestão do incumprimento bancário. Esta análise tanto incidirá sobre casos de contratação em massa, com recurso a cláusulas contratuais gerais, como sobre contratos resultantes de uma negociação individualizada;

(ii) Cláusulas contratuais (comparação): será feito um levantamento das cláusulas contratuais em matéria de dívida mais utilizadas na prática bancária, predominantemente provenientes de contratos utilizados em sistemas de Common Law. O objetivo é avaliar a adequação destas cláusulas no ordenamento jurídico português;

(iii) Lançamento de uma "Debt Clauses Library": o objetivo é lançar uma ferramenta de design contratual e uma biblioteca/ bíblia destinada a introduzir uma maior padronização na forma como os bancos negoceiam cláusulas (em particular, sobre incumprimento e gestão desse incumprimento) e a garantir que essas cláusulas são válidas e equilibradas, prevenindo-se litígios ulteriores na relação bancária creditícia; esta ferramenta apresentará opções de redação normalizadas para cláusulas sobre incumprimento e gestão desse incumprimento que sejam frequentemente negociadas, bem como as variantes mais comuns dessas cláusulas;

(iv) Mapeamento dos principais problemas jurídicos que podem dificultar o sucesso dos processos de reestruturação ou de recuperação de dívida bancária, com o objetivo de analisar a extensão desses obstáculos e identificar soluções extrajudiciais que consigam dar ao devedor uma margem de manobra financeira, assegurando os interesses coletivos dos credores e dos garantes. É dada especial atenção à medida em que os bancos portugueses e europeus recorrem à reestruturação de dívidas para apoiar mutuários em dificuldades, e à forma como as entidades reguladoras supervisionam e orientam esses esforços;

(v) Carteiras de NPL’s: o objetivo é o de aferir tendências nos mercados português e europeu no que respeita à venda de carteiras de NPL’s e dissecar as diferentes estruturas comumente utilizadas (como a venda, a cessão massificada de créditos, a titularização ou operações sintéticas) disponíveis no mercado e, assim, procurar reduzir o nível de incerteza jurídica quanto à validade e conformidade legal dessas estruturas.

O projeto de investigação DebtLab assume preocupações de dupla natureza: (i) conseguir um impacto socialmente significativo numa área crucial para o funcionamento da economia portuguesa e (ii) envolver-se e colocar-se na vanguarda das discussões jurídicas internacionais em matérias relacionadas com a dívida bancária.

Ambos assentam num núcleo comum de investigação que envolve:

(i) Mapeamento e acompanhamento das novas questões jurídicas decorrentes de uma realidade económica em constante mutação, bem como das respostas legislativas e regulamentares que lhes são dadas;

(ii) Análise das principais e mais prementes questões jurídicas relacionadas com o ciclo da dívida bancária, estudando-as à luz das questões fundamentais de direito privado que lhes estão subjacentes, e em diálogo permanente com a Doutrina de vanguarda de ordenamentos jurídicos semelhantes.

Ambos os tipos de preocupações, para além de abrangerem questões adjacentes e assentarem num núcleo comum, têm uma relação sinérgica entre si.

Por conseguinte, para além das atividades de investigação essenciais, cada uma destas preocupações corresponde a uma fase do projeto.

Investigador responsável

Adelaide Menezes Leitão

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A. Barreto Menezes Cordeiro

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Francisco Mendes Correia

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Investigadores

Ana Alves Leal

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Miguel Brito Bastos

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Juana Pulgar Ezquerra

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Concetta Brescia Morra

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Maria Ana Barata

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Cláudia Trindade

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Diogo Bordeira Neves

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Dina Freitas Teixeira

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Filipa Santos Rocha

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Gonçalo Aleixo Nunes

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Rui Pires

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Consultores

Stefan Grundmann

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Robert Freitag

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  • Associação Portuguesa de Bancos
  • Banco de Portugal
  • Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios
  • European Banking Federation (EBF)
  • European Consumer Debt Network (ECDN)
  • Finance Watch
  • Institute for Law and Finance (Goethe Universität Frankfurt)
  • Florence School of Banking and Finance
  • Forschungsstelle für Bank- und Kapitalmarktrecht in Nordbayern (Friedrich-Alexander-Universität Erlangen-Nürnberg)
  • Forschungsstelle Bankrecht und Bankpolitik (Universität Bayreuth)
  • Institut für Bankrecht (Univesrität zu Köln)

A primeira fase do projeto de investigação centra-se na identificação das questões jurídicas mais relevantes que são suscitadas pelo estado atual da economia portuguesa relativamente ao ciclo da dívida bancária. Para o efeito, haverá que proceder, num primeiro momento, a um trabalho de análise empírica, realizado em colaboração com os parceiros do projeto, seguindo-se uma fase analítica de tratamento dos dados recolhidos. De forma a potenciar a disseminação e potencial impacto dos resultados obtidos pelos investigadores junto do mercado, esta fase será apresentada à comunidade em dois momentos:

⎯ Uma conferência sobre a dívida bancária, dirigida à comunidade jurídica nacional, nomeadamente a outros juristas, advogados, reguladores e juízes, permitindo-lhes participar e dar a sua contributo tendo em conta os dados recolhidos e apresentados;

⎯ Publicação dos resultados de investigação apresentados nesta conferência em formato de acesso livre para uma maior acessibilidade e divulgação.

A análise empírica efetuada na primeira fase, em colaboração com os parceiros nacionais (com particular enfoque nas entidades associadas da APB), permitirá ainda a criação de uma Biblioteca de Cláusulas de Dívida onde se disponibilizará um acervo composto de cláusulas típicas inseridas em contratos de concessão de crédito bancário, contratos tendentes à reestruturação extrajudicial de dívida, bem como às modalidades contratuais que têm sido utilizadas para a transferência da titularidade de non-performing loans em contratos sujeitos à lei portuguesa. Para que tal seja possível será ainda, nesta fase, imprescindível estabelecer contactos com entidades internacionais com vista à identificação das melhoras práticas na elaboração destes contratos, por forma a criar e estruturar uma Biblioteca de Cláusulas o mais completa possível e de acesso público.

No final desta primeira fase, será efetuada uma avaliação para identificar os resultados da investigação obtidos que têm maior relevância para o debate científico internacional sobre as questões jurídicas abrangidas pelo projeto, em especial devido à sua natureza interjurisdicional, permitindo o tratamento desses mesmos dados e a sua posterior disseminação para conhecimento da comunidade, tanto nacional como internacional.

A segunda fase do projeto centrar-se-á no aprofundamento e na divulgação dos resultados da investigação realizada na fase anterior. Para o efeito, não só se continuará o aprofundar do estudo realizado na fase anterior, como se realizará uma conferência internacional com vista à divulgação dos resultados obtidos pelos investigadores do projeto. Entre os oradores desta conferência incluir-se-ão os investigadores do projeto, mas também, dada a importância dos temas em análise tanto a nível nacional como internacional, oradores convidados, nomeadamente players no mercado nacional e investigadores internacionais cujo contributo não pode ser desconsiderado para a prossecução de um dos objetivos últimos do projeto: a compreensão de fundo dos temas objeto de estudo e a sua posterior disseminação para a comunidade em geral, com vista á maximização do impacto social dos resultados obtidos.

Tendo em conta o objetivo de disseminação de conhecimento novo, por forma a ampliar o impacto social que os resultados obtidos podem propiciar, serão ainda publicados, com esse fim, dois artigos internacionais em editoras com sistema de peer-review.


Linhas de Investigação

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