1.º (O problema e o projecto)
Muito frequentemente, os textos legais são polissémicos/equívocos; ora, também muito frequentemente, os estudos e as versões anteriores do texto legal publicado esclarecem o significado pretendido pelo legislador.
O projecto consiste em dar a conhecer os estudos e as várias versões de cada um dos 2334 artigos do Código Civil vigente (versão publicada no jornal oficial, 25 de Novembro de 1966).
Exemplo: Existe a seguinte grande controvérsia acerca do art. 11.º: quais as normas que não podem ser alargadas a casos análogos? Todas as normas excepcionais ou apenas as normas excepcionais que afastam princípios fundamentais? Ora, a comparação entre as 8 versões (e correspondentes justificações), de 1948 a 1966, evidenciam que o legislador com a expressão “normas excepcionais” refere-se a todas estas.
2.º (Condições de execução do Projecto: o recente acesso a mais de 30 mil páginas, das quais mais de metade é inédita)
Durante décadas, vários juristas tentaram reunir, ordenar e divulgar estes trabalhos preparatórios (destaca-se as tentativas de Albano Cunha, Rodrigues Bastos, Galvão Telles e Bigotte Chorão).
Só agora é possível: os herdeiros de João da Matos Antunes Varela, ministro aquando do Código Civil e catedrático de Direito, entregaram a Menezes Cordeiro, Catedrático Jubilado e IP deste projecto, e à Torre do Tombo, o principal fundo documental deste projecto.
Menezes Cordeiro, em representação do CIDP e a Torre do Tombo acordaram a parceria, cabendo ao CIDP custear a digitalização desse fundo. O que já foi feito. Seguiu-se a entrega de pequenos fundos documentais de outros destacados obreiros do Código Civil (Inocêncio Galvão Telles, Fernando Pires de Lima, Paulo Merêa, Miguel Galvão Teles, secretário da Comissão de feitura do Código Civil). Reuniu-se, assim, os documentos dos principias obreiros do Código Civil (pois os espólios Manuel de Andrade e Adriano Paes da Silva Vaz Serra ter-se-ão perdido). A última das entregas é neste ano 2023 (Paulo Merêa).
Seguiu-se:
(i) um primeiro exame, pelos IPs e por alguns dos investigadores funcionários da Torre do Tombo, da quase totalidade destes cerca de 30mil documentos (dos quais mais de metade é inédita), arrumando-os entre as grandes divisões do Código Civil;
(ii) a digitalização de todos os fundos;
(iii) preparação das ferramentas informáticas para a base de dados adiante referida, a ser preparada on line, em ambiente Teams;
(iv) a constituição por Menezes Cordeiro da equipa para o presente projecto.
3.º (O projecto: relevância jurídica e social / relevância para as várias linhas de investigação do e fora do CIDP / relevância para a Torre do Tombo)
Recorde-se que o Código Civil define:
(i) as fontes do Direito (e não só do Direito civil - abrangendo, assim, por exemplo, diplomas de Direito administrativo, processual, penal). Ou seja, responde a perguntas como: o juiz procura a solução para cada caso nos textos legais?, ou nos costumes?, ou em sentenças anteriores?, ou o juiz cria as soluções, mediante valorações por si próprio feitas?
(ii) o modo de interpretar os textos legais: com o constrangimento de quem interpreta uma receita médica?, ou com a liberdade de quem interpreta um poema?
(iii) os direitos e deveres das pessoas na generalidade das relações entre si: condição dos menores, acompanhamento de maiores, responsabilidade civil, hipotecas, compras e vendas, arrendamentos, mandatos, procurações, empreitadas, usucapião, condomínios, usufrutos, casamentos, filiações, adopções, testamentos…
Os exemplos dados evidenciam a importância transversal do Código Civil (cuja relevância, no ordenamento jurídico português, será equiparável apenas à da Constituição da República Portuguesa): para os teóricos, para os práticos e para os cidadãos em geral; quer na prevenção quer na repressão de ilícitos; quer em assuntos patrimoniais quer em assuntos pessoais (em especial, para a tutela da liberdade); consequentemente, os exemplos evidenciam a importância da elucidação do significado das palavras usadas nos 2334 artigos.
4.º (Resultado pretendido: uma base de dados)
O conjunto dos documentos (presentes, fisicamente, na Torre do Tombo) será apresentado em base de dados sediada no CIDP (com referência à parceira Torre do Tombo), aberta, gratuitamente, a todas as pessoas, servindo, em especial, os juristas-investigadores e os práticos do Direito (juízes, magistrados do Ministério Público, conservadores, notários, advogados).
A base de dados proporciona o seguinte:
(i) o texto publicado dos 2334 artigos;
(ii) com 1 clic sobre cada artigo, surge a lista cronológica das respectivas versões;
(iii) com 1 clic sobre cada versão, surgem os respectivos estudos/autor/data;
(iv) com 1 clic sobre a epígrafe da respectiva parte do Código, surgem os estudos respeitantes a conjuntos de artigos (com uma remissão para estes estudos, em cada um dos artigos desse conjunto);
(v) suporte facilmente expansível, por integração de novos dados (atendendo às características das ferramentas informáticas): caso surjam novos espólios documentais, caso se pretenda juntar outros campos, como Doutrina e Jurisprudência sobre cada artigo (ou conjunto de artigos) do Código Civil, caso se pretenda acompanhar alterações legislativas…
(vi) adaptabilidade a outros diplomas legais, em especial, diplomas estruturantes do Direito português (como seja a Constituição).
5.º (Interdisciplinaridade)
Ao lado da base de dados, ao serviço do quotidiano jurídico de hoje, o projecto inclui componente histórica – acerca da forma como o Código Civil foi, à época, recebido pala sociedade portuguesa e por outros países. A cargo de Isabel Graes, do acima referido Iuris.
6.º (Destinatários)
A base de dados é gratuitamente aberta a todas as pessoas, servindo, em especial, os juristas-investigadores e os práticos do Direito no seu quotidiano: juízes, nas suas sentenças; magistrados do Ministério Público e advogados, nas suas peças processuais; conservadores, nos registos; notários, nas escrituras, etc).
A base de dados será, ainda, divulgada na comunidade lusófona: seja por estarem em vigor partes do Código Civil em Cabo Verde, Guiné, Angola, Moçambique e Macau, seja pelo interesse jus-científico no Código Civil, por parte de muitos juristas oriundos do Brasil que procuram as universidades portuguesas para as suas pós-graduações.